Receita simples mas difícil.
O Karate e os seus "pormenores".
Estilos diferentes, escolas diferentes, linhagens diferentes. Vários mestres cada qual com as suas preferências baseadas em experiências pessoais ou até na sua estrutura física. Conteúdos adaptados a vários públicos, agrupados por faixas etárias, nível de conhecimento ou objectivos. Tradições que devem ser preservadas porque são o tesouro da arte e os aspectos mais modernos que envolvem a vertente desportiva, tão importante para os jovens, e que deve ser acarinhada.
Tudo isto contribui para os inúmeros "pormenores" do Karate. Quem pratica passa por isso frequentemente.
"A mão é assim ou de outra forma?"
"É diferente fazer assim ou 5 cm ao lado?"
"Corrige o pé porque deve estar a 45º e está a cerca de 30º."
"Na outra posição o polegar é para fora mas nesta é para dentro."
Há explicações para tudo isto e muito mais. É de uma forma e não de outra por alguma razão. E às vezes é de uma forma quando estamos a aprender, passa a ser de outra quando já sabemos bem e quando finalmente dominamos a técnica voltamos a fazer como no princípio. E tem justificação, não é por acaso.
Em vez da atitude oriental de cumprir escrupulosamente o que o treinador diz porque "com a prática e a repetição, virá o entendimento", nós, ocidentais, queremos saber primeiro o porquê de irmos fazer qualquer coisa. Ficamos intrigados a pensar porque será assim, para que serve, como se aplica... e perguntamos. Queremos saber os detalhes mesmo quando ainda não estamos em condições de os entender ou de os integrar harmoniosamente na prática. São duas formas de estar bem diferentes e arrisco-me a dizer que, como em quase tudo na vida, a virtude estará provavelmente no meio.
Praticar repetidamente algo sem ter a ideia clara do que se está a fazer (e porquê) é óptimo para a eficiência na tarefa mas pode ser virtualmente nulo em termos da sua eficácia. Por outro lado, encher o pensamento de informação (pormenores que queremos saber e memorizar), retira naturalidade e capacidade de adaptação.
Os "pormenores" são importantes para melhorar a técnica mas não são a técnica.
Os "pormenores" são valiosos mas não são truques que subtituem a técnica.
O problema é que os "pormenores" são muitas vezes rápidos de memorizar e reproduzir enquanto a técnica carece de tempo, dedicação e repetição para ser correctamente desenvolvida. Sem a base fornecida pela técnica, os pormenores não têm como se sustentar.
Para quem tem uma boa base técnica, os "pormenores" são diferenciadores e amplificam o potencial de uma técnica que já era boa. Quem ainda não tem uma boa base técnica deve dedicar a maior parte do tempo de prática a tentar melhorá-la.
A busca por "pormenores" como se fossem atalhos, faz-nos pensar demasiado e complicar o que é naturalmente simples. Não raras vezes questionamos um mestre Japonês acerca de um gesto/movimento e ele responde: "Faz naturalmente. É um movimento natural." É sinal de que estamos a pensar demasiado. A complicar demasiado.
Imediatamente a seguir surge um pico de satisfação "porque afinal é mais simples do que pensava e até consigo fazer isto bem" seguido de um balde de água fria quando nos apercebemos que agora é só "repetir uns milhares de vezes, durante alguns anos para aperfeiçoar."
A receita é simples... mas difícil.
Todos têm capacidade de a compreender mas poucos têm a disciplina e persistência para a seguir.