Estágio Anual da Seiwakai Internacional e Seminário da JKF Gojukai - Japão 2019
Em Julho, karatekas de todo o mundo reúnem-se em Omagari (Daisen, Akita) para participar no Estágio Anual da Seiwakai Internacional e treinar sob o olhar atento do Hanshi Seiichi Fujiwara, 8º Dan e Presidente da Seiwakai.
Este evento estende-se por 7 dias e nos 4 dias seguintes realizam-se o Seminário e o Campeonato da JKF Gojukai, cuja localização varia todos os anos (Em 2019 teve lugar em Sasebo, Nagasaki). Desta forma, torna-se apelativo a quem se desloca ao Japão, participar em ambos os eventos, bastando para tal estender a estadia e planear as viagens entre um local e outro.
Tudo isto acontece anualmente com a participação de muitos entusiastas do Karate, alguns estreantes e outros repetentes. Este ano tive a sorte de ser um dos participantes. Quer isto dizer que para além do treino, tive oportunidade para me fascinar com outros aspectos da cultura japonesa, mais especificamente com... tudo. A comitiva portuguesa foi composta pelo Shihan Abel Figueiredo, Shihan Teófilo Fonseca, Teresa Fialho, Manuel Nolasco e eu próprio.
Estágio Anual da Seiwakai Internacional em Omagari
Treino
Foram 3 dias de treino, 1 de repouso e mais 3 de treino. O primeiro aspecto a ter em conta é o volume. Ao contrário dos seminários frequentemente organizados com cerca de 2 dias e meio de treino, este tem 6 dias com pelo menos 5 horas de treino em cada. O dia de repouso no meio é bem recebido por todos e é uma preciosa ajuda para recuperar física e mentalmente de forma a conseguir manter uma boa prestação até ao final do evento.
Os conteúdos foram variados mas sempre adequadamente aprofundados, o que muito agradou aos participantes. Aquecimento e sessões de alongamentos orientados por diferentes instrutores enriqueceram a experiência, permitindo a todos conhecer novas abordagens.
Não podia faltar a prática de Kihon com vista a melhorar as bases dos praticantes. No princípio estático e depois cada vez mais dinâmico, exigiu de todos uma boa resposta. Logo aí quem pensava que estava bem fisicamente começou a ter dúvidas.
A prática de Kata foi intensa e desafiante. A repetição uma e outra vez, tentando incorporar novos detalhes, não desmotivaram os dedicados karatekas que após cada Kata, já adivinhavam as palavras seguintes do Shihan Fujiwara: "One more time."
Algo cativante no ensino do Hanshi Fujiwara é a forma fluida e simples como disseca os Kata e deles retira movimentos que integra eficazmente no Kumite.
Os momentos mais suados foram sem dúvida durante a prática destes exercícios a pares, com alta intensidade. Tudo começa devagar e todos conseguem compreender os movimentos. Com o aumento da velocidade e sem tempo entre contagens, tudo fica mais complicado e (convenhamos) mais próximo da realidade. Já exaustos e com o raciocínio a falhar, começam a surgir problemas de reacção e coordenação. Quem aguenta firme sem desistir acaba por entrar num modo automático (pretendido e desejável) em que volta a conseguir reagir e executar os movimentos a bom nível não porque se lembra do que é para fazer mas porque os movimentos já fazem parte de si. No final de cada uma destas sessões, ficavamos aliviados ao ouvir o Shihan anunciar: "5 minutes break."!
"Goju-ryu Karate is physically difficult and mentally challenging."
Shihan Leo Lipinski
O espírito de camaradagem entre os participantes foi verdadeiramente louvável. Fazemos parte da mesma organização e portanto é de esperar que todos ajudem todos para o sucesso e crescimento comum, mas o ambiente que encontrei foi deveras estimulante.
Numa palavra, o treino foi FENOMENAL.
Quotidiano e integração na cultura Japonesa
Tudo tem um contexto. Escrevi anteriormente que o treino foi valioso mas mesmo que tivesse sido um treino normal, teria sabido melhor devido ao contexto. Ir ao Japão ajuda mesmo a perceber porque o Karate no Japão é como é. Ver como os Japoneses encaram o Karate e perceber que talvez nós não o façamos da mesma forma, deixa-nos a pensar. Não me refiro a "encarar mais a sério" ou "com mais compromisso" ou sequer "com mais respeito". Refiro-me à naturalidade. Faz parte da cultura e é uma ferramenta para melhorar a vida no dia-a-dia. Nota-se que os Japoneses estão no dojo com paz de espírito, simplesmente desfrutando o Karate.
Etiqueta, modos, cerimónias, postura, ... está tudo na cultura Japonesa, aplica-se em tudo, Karate incluído. Um professor de Karate no Japão não precisa relembrar os alunos todos os treinos que têm de fazer saudação ao entrar no dojo, porque a saudação não é "um preceito estranho" que se faz na aula de Karate, mas um gesto normal do quotidiano.
E a comida? É óptima!
Uma vez terminado o Estágio em Omagari, os participantes começaram a partir. Alguns ficaram mais alguns dias a desfrutar a cidade de Tóquio, outros a fazer caminhadas no Monte Fuji. Alguns, como foi o nosso caso, rumaram a Sasebo para participar no Seminário da JKF Gojukai.
Seminário e Campeonato da JKF Gojukai em Sasebo, Nagasaki
Seminário JKF Gojukai
Após um dia de viagem, chegámos a Sasebo onde no belo Budokan nos esperava mais um dia e meio de treino.
O aquecimento clássico de Goju-ryu com que começou o seminário foi suficiente para mostrar aos praticantes que há algumas lacunas na sua preparação física, relativamente aos padrões típicos do estilo.
O Katas foram abordados e aperfeiçoados por todos, numa primeira fase em conjunto, e mais tarde em grupos separados. Cada grupo, orientado por um distinto e reconhecido Mestre, focava-se num Kata. Os praticantes eram livres de escolher o grupo onde se inseriam e a prática evoluiu suavemente sob a supervisão dos Mestres.
Para além de detalhes concretos de técnicas ou movimentos, foram transmitidos conceitos e princípios transversais fundamentais para a melhoria global do Karate de cada um.
Enquanto o Seminário deu a ideia do que é A Prática do Karate, o Campeonato a que iriamos assistir nos próximos dias é algo que eu descreveria como A Festa do Karate.
Campeonato JKF Gojukai
Imediatamente saltou à vista a organização imaculada e o pavilhão em festa. As famílias que acompanham os atletas instalam esteiras, panos e mantas de piquenique onde colocam tudo o que trouxeram para o dia e onde os mais novos, bebés de colo, ficam mais confortáveis. As bancadas são organizadas para o evento com zonas definidas para os apoiantes de cada equipa. Os tatamis brancos e áreas circulares são diferentes do que estamos habituados mas no conjunto tudo resulta muito bem. Inúmeros elementos de staff que cumpriam os seus papeis natural e eficazmente. Onze áreas de competição sempre funcionar harmoniosamente.
Tudo isto e ainda nem falei do melhor: os competidores. Desde tenra idade, a postura, vontade e qualidade são de assinalar. A partir dos 12/13 anos, o nível é deveras elevado e foi um regalo ver os desempenhos dos jovens, alguns deles certamente com um futuro risonho a nível de resultados desportivos nos grandes palcos.
Em suma...
O balanço foi muito positivo e a minha primeira ida ao Japão dificilmente podia ter sido melhor. Obviamente aconselho a todos que possam ir a não deixar passar a oportunidade, em especial os meus companheiros que não nos puderam acompanhar nesta vez. Não é uma experiência barata mas é enriquecedora e esclarecedora acerca da arte que praticamos. É como tudo... se valer o preço não é caro, é só dispendioso. Só quando não vale o preço ou não temos capacidade para compreender e aproveitar a experiência é que fica caro.
Resta agradecer a toda a comitiva pelo companheirismo, fazendo votos de que possamos repetir em breve. Uma palavra de agradecimento extra para o Shihan Abel Figueiredo pelo planeamento geral da viagem, pelo apoio que prestou aos estreantes na Terra do Sol Nascente e pelas óptimas fotos que tirou, algumas das quais usei nesta publicação.
Rui Machado