A primeira preocupação dos pais: O Karate é violento?
Quando ponderam inscrever os seus filhos numa arte marcial, os pais ficam muitas vezes apreensivos por estas modalidades serem geralmente conotadas como violentas.
O Karate é violento? Aplica-se aqui a resposta universal: Depende.
Depende do que estamos a falar. Por um lado o Karate é uma arte marcial. Não há como dizer que a violência não está na sua raiz. Por outro lado, mesmo o público que não conhece por dentro as artes marciais clássicas tem a noção de que estas se revestem de uma grande dose de valores éticos, dimensão espiritual e que contribuem para o desenvolvimento pessoal. Prolifera também a ideia de que os praticantes de artes marciais são por excelência calmos e pacifistas. Em que ficamos?
Na verdade depende do que se quer fazer com o Karate. O Karate é muito rico, versátil e adaptável. Na minha opinião é ponto assente que os valores básicos da arte devem ser mantidos e só em cima destes se devem promover as adaptações exigidas por determinado contexto.
Quando se convida abertamente a população a participar num treino para se dar a conhecer a modalidade, pensamos em integrar os participantes, mostrar-lhes algo de Karate e deixá-los usufruir a experiência. Duas posições extremadas podem ser: mostrar que “o Karate a sério não é para qualquer um” e presentear os estreantes com uma aula “à moda antiga”, ou “fazer um treino suave, calmo e diferente, apenas focado nos principiantes”. No primeiro caso, a experiência é desnecessariamente violenta (e nada apelativa à continuação da prática) e no segundo caso corre-se o risco de induzir as pessoas em erro sobre o que é o Karate (levando-as a pensar que os treinos são fáceis e que as competências e graduações vão surgir naturalmente e sem esforço). Seguindo o bom senso, o KarateSpace situa-se numa posição intermédia: adaptar a aula à classe mas sem desvirtuar a modalidade.
E quanto a lesões? O que dizem os especialistas?
Qualquer atividade física está sujeita a lesões e o Karate não é excepção. Porém, têm surgido estudos apontando que, ao contrário da percepção generalizada, o risco de lesões graves é aparentemente menor no Karate do que em outras modalidades mais populares. Vejamos a título de exemplo as conclusões do estudo levado a cabo por Zetaruk et al. (2000), focado em atletas do estilo Uechi-ryu, particularmente conhecido pela sua exigência a nível de condição física. Segundo os autores, “quando adequadamente lecionado, o Karaté Uechi-Ryu é seguro para as crianças. As lesões tendem a não ter gravidade e na sua maioria não passam de contusões ligeiras”.
Destombe et al. (2006), numa investigação acerca da natureza das lesões no Karate, concluiram que “o treino de Karate é seguro para rapazes e raparigas”, “as lesões ocorrem sobretudo em ambiente competitivo” e que “as lesões graves são pouco comuns”.
Quando aumenta a probabilidade de lesões?
À medida que o praticante ganha experiência, ganha também confiança e é então que o risco de lesão pode aumentar. Paradoxalmente, os treinadores tendem a vigiar mais cuidadosamente os alunos menos experientes mas o risco de lesão está muito relacionado com fatores como a experiência do atleta e o volume de treino. Atletas mais experientes são mais autoconfiantes, detêm mais conhecimento e possuem maior destreza física. Perante esta combinação de capacidades, o seu treino evolui e os atletas começam a operar a níveis mais altos de agressividade. Apesar de ser uma agressividade saudável e em espírito de companheirismo, a probabilidade de ocorrência de lesões aumenta neste contexto.
Como prevenir as lesões?
Através de práticas gerais
As indicações preventivas são as sabidas por todo o atleta e treinador independentemente da modalidade: aquecimento apropriado, supervisão cuidada, uso de proteções (se aplicável) e evitar o sobretreino. Uma vez asseguradas estas boas-práticas, o Karate revela-se apropriado para todos os que queiram usufruir dos benefícios da prática, minimizando a sua exposição a lesões.
Através de práticas específicas da modalidade
A estratégia preventiva geralmente aplicada em exercícios de Karate com dois atletas em confronto é repetir calmamente os movimentos separadamente, para que se percebam os mecanismos envolvidos. De seguida executam-se os movimentos conjuntamente e a baixa velocidade. Após este período de adaptação, quando se sentirem confortáveis, os atletas começarão a aumentar a velocidade até ao seu máximo potencial.
Referências:
Merrilee Zetaruk[1], Mariona Violan[2], David Zurakowski[3] e Micheli Lyle[1]. 2000. Karate injuries in children and adolescents. Accident Analysis and Prevention, 32 421-425.
[1] Division of Sports Medicine, Children’s Hospital, Harvard Medical School, Boston, MA, USA
[2]Department of Health Science, Boston University, Boston, MA, USA
[3]Department of Biostatistics, Children’s Hospital, Har6ard Medical School, Boston, MA, USA
Claire Destombe[1], Laurent Lejeune[1], Yannick Guillodo[1], Anne Roudaut[1], Sandrine Jousse[1], Valérie Devauchelle[1] e Alain Saraux[1]. 2006. Incidence and nature of karate injuries. Joint Bone Spine, 73 182–188.
[1] Rheumatology Department, la Cavale Blanche Hospital, BP 814, 29609 Brest cedex, France